Marilza e Édison:
Estou enviando para meu amigo Márcio Vieira de Souza que possivelmente se interessará em divulgar a poesia do Carvalho Branco.
O Márcio, além de professor universitário e grande incentivador e divulgador dos eventos musicais aqui da Ilha da Ilha de Santa Catarina, também desenvolve um intenso trabalho de conscientização sobre pessoas afetadas por excepcionalidades mentais.
Claro que se trata de situação distinta da abordada por esta poesia, mas tenho impressão de que nessa questão de superação de preconceitos e promoção de compreensão dos diversos tipos de limites que diferentes deficiências nos afetam como espécie, e até mesmo à superação de outros preconceitos que sequer se referem à deficiência alguma, esteja englobada a enorme insegurança individual que dificulta a aceitação de nossos seus semelhantes quando se distinguem por qualquer diferença, mesmo que sejam as meramente conceituais.
Acredito que demonstrando ao indivíduo que se crê “normal”, que não há nenhuma maior anormalidade naquele que não escuta, também ajudamos a fazer com que esse pretenso “normal” perceba que uma deficiência mental não faz o outro menos ser humano e o que realmente depõe e reduz a condição humana de cada é o se crer como normal como se a natureza fosse definida por padrões que nos confundisse com bilhões de indivíduos absolutamente iguais.
Felizmente não somos assim e não apenas podemos aprender muito com nossas diversidades culturais, como esteticamente podemos usufruir de nossas pequenas diferenças físicas e, moralmente, ainda podemos nos compensar dando-nos, a nós mesmos, alguma utilidade, auxiliando ou contribuindo na superação das dificuldades naturais dos impossibilitados e desprovidos de algum movimento ou sentido físico ou mental.
A poesia do Carvalho Branco é muito boa porque vai direto ao ponto, mas há muito tempo tento encontrar uma maneira de meter o dedo na ferida do preconceituoso. Mas não como sempre o faço, querendo machucá-lo tanto quanto me machuca ou machuca aqueles que não é capaz de compreender e aceitar como seus iguais. Não queria machucá-lo ainda mais, pois descobri que o preconceito é fruto de uma triste e dolorosa insegurança, medo, pavor do indivíduo por uma subconsciente convicção da fragilidade e falácia dessa hipotética “normalidade”.
Geralmente me impaciento e acabo acusando esse preconceito, mas gostaria de ter capacidade de oferecer ao preconceituoso aquilo que ele nega a si mesmo ao negar aos seus semelhantes, que dele se defiram em algum detalhe, exatamente a compreensão que o Carvalho Branco pede aí no último verso.
Vejam só e acredito que irão concordar comigo: ao deficiente ou mesmo ao cidadão que não seja deficiente mas sofre algum tipo de preconceito, não é o caso de termos pena ou dó. Afinal, seu sofrimento pelo preconceito de que é vítima, ainda que revoltante não é o caso de fazer pena ou dar dó.
Já o preconceituoso, sim. Esse indivíduo, ainda que nos enraiveça, é o realmente digno de muita pena e se avaliarmos bem nos dará muita dó porque trata-se sua incapacidade trata-se de uma verdadeira anormalidade às principais características de nossa espécie, seja no que temos de racional ou sensitivo. Penso muito nas carências desses coitados, em suas profundas deficiências e gostaria de poder não sentir por eles a aversão que tanto lhes tenho. Imagino até que se lhes dermos o carinho que não conseguem ter por seus semelhantes, em reconhecimento poderão melhorar a si mesmos.
Será?
MENSAGEM DE UM CIDADÃO
(Carvalho Branco)
Quem me diz deficiente,
privado dos meus sentidos
da visão ou da audição,
não sabe: sou consciente
do meu dever com a Nação;
meus passos não são perdidos.
A quem tem bons seus ouvidos,
só quero reafirmar
que posso participar
da sociedade nossa,
mesmo que ver também não possa;
tenho bons outros sentidos.
Estudo especializado
abre-me universos irrestritos.
Sou aluno dedicado,
sigo à risca os prescritos.
E se não tenho visão,
vejo com alma e emoção...
E a leitura labial
faz-me papel do canal
dessa minha audição
-tornou-se minha opção.
Como vê, posso ser útil,
não sou descartável, nem fútil.
Por se ser deficiente,
não se precisa patente
da dita inutilidade.
Cada qual tem qualidade
para superar defeito.
Apague seu preconceito.
Sei ser um bom cidadão.
Ao exercer cidadania,
só peço compreensão
pra viver com alegria,
dar amor, felicidade,
ser visto com igualdade!...
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