O escritor e jornalista Roberto Amado, sobrinho de Jorge Amado, deu início a uma história que tomaria grandes proporções nas semanas seguintes. Publicou em seu site, o Poucas Palavras, um longo texto dizendo que o craque argentino Lionel Messi foi diagnosticado aos oito anos de idade com Síndrome de Asperger, uma forma branda de autismo que se caracteriza, entre outros sintomas, pela grande capacidade intelectual de seus portadores.
Apesar das prováveis boas intenções, como a de mostrar que os autistas são capazes de feitos extraordinários, Amado estava errado. Quem o contradiz é Diego Schwarzstein, médico que tratou do principal e conhecido problema de saúde de Messi: uma deficiência hormonal que atrasou seu desenvolvimento.
Procurado pela reportagem do UOL Esporte, Schwarzstein, que ainda vive em Rosario e é a pessoa mais qualificada para falar sobre o assunto, não deu margem a dúvidas. "Leo nunca foi diagnosticado como Asperger ou qualquer outra forma de autismo. Isso é realmente uma bobagem", afirmou, por e-mail.
Em seu texto, Amado listou uma série de características que supostamente serviriam para provar o autismo de Messi: o modo de chutar ao gol e o uso de dribles parecidos seriam indícios de padrões repetidos, típicos dos portadores da síndrome. Sua timidez no trato com a imprensa seria outro sinal.
No mesmo artigo, ao destacar os feitos impressionantes dos quais os autistas são capazes, Amado citou o caso retratado no filme Rain Main, de 1988, com Tom Cruise e Dustin Hoffman. Na verdade, trata-se de outra síndrome, a de savant, no qual o portador tem uma grande facilidade em uma área intelectual, como realizar cálculos complexos, por exemplo, mas possui um QI baixo - algo bem diferente do Asperger.
O texto de Amado, por trazer depoimentos de pessoas ligadas a entidades de portadores de Síndrome de Asperger corroborando sua tese, foi pouco questionado e acabou se alastrando pela internet. Até o deputado federal Romário chegou a escrever a respeito em sua conta de Twitter: "Vcs sabiam q o Messi tem Síndrome de Asperger? É uma forma leve de autismo, q deu a ele o dom do foco e concentração acima de tudo e d todos." Alguns sites chegaram a noticiar que, depois do comentário de Romário, Jorge Horacio Messi, pai do craque argentino, teria ameaçado processar o ex-jogador brasileiro.
Apesar do nome diferente, a Síndrome de Asperger é uma das formas de autismo, porém mais branda. Enquanto até 70% dos autistas possuem graus diferentes de deficiência intelectual, os portadores de Asperger são caracterizados pela capacidade intelectual normal ou acima da média e por não apresentarem dificuldades de fala.
O psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP (PROTEA), uma das maiores autoridades do Brasil no assunto, explica que a área de excelência do portador da Síndrome de Asperger costuma ser matemática, física e outros campos de exatas.
"Outro fator que vai contra a ideia de que Messi é portador de Asperger é a coordenação motora", afirma Vadasz. "Na maior parte dos casos, os portadores têm baixa motricidade e não se dão bem em atividades em equipe. O Messi, ao contrário, tem um domínio motor sofisticado, e joga muito bem em equipe."
O escritor italiano Luca Caioli, autor da biografia Messi, The Inside Story of the Boy Who Become a Legend, que será lançada no final do ano no Brasil pela L&PM Editores, esteve em Rosario, na Argentina, cidade natal de Messi, para obter informações para o livro.
Conversou com a família do jogador e com o médico Diego Schwarzstein, que foi o primeiro a diagnosticar o problema hormonal que afetava o crescimento de Messi. "Ele era muito fechado em si mesmo e falava pouco, mas nunca soube de nenhum diagnóstico de Síndrome de Asperger", disse Caioli.
Outro jornalista que prepara uma biografia de Messi, o espanhol Guillem Balague, de Barcelona, que comenta o Campeonato Espanhol para a Sky Sports e já escreveu um livro sobre Pep Guardiola, foi taxativo: "essa história é um lixo."
Atletas autistas
Existem pelo menos dois casos notórios de autistas que superaram os limites impostos pela síndrome. Em 2006, aos 18 anos, o americano Jason McElwain protagonizou uma história incrível. Diagnosticado com autismo logo nos primeiros anos de vida, sempre foi um apaixonado por basquete. Por isso o técnico do time da escola de McElwain, Jim Johnson, deixava que ele ficasse no banco de reservas acompanhando as partidas.
No dia 15 de fevereiro de 2006, na última partida da temporada, o técnico deu o uniforme do time a McElwain e o avisou de que se, no final da partida o time estivesse liderando o placar com folga, ele poderia entrar. Faltando quatro minutos para o fim da partida e com um diferença de dois dígitos, Jason entrou em quadra. O começo indicava uma situação constrangedora. A bola foi passada pra ele. O arremesso sai errado. Novo arremesso, novo erro.
O que se viu a partir daí, no entanto, foi épico. McElwain acertou nada menos que seis arremessos de três pontos e mais um de dois pontos, totalizando 20 pontos em pouco menos de quatro minutos. A cada cesta convertida, a torcida explodia no ginásio da escola. O time de McElwain venceu por 79 a 43. O show de Jason foi eternizado ao receber o prêmio ESPY de melhor momento do esporte em 2006, dado pela TV por assinatura americana ESPN, batendo os 81 pontos marcados por Kobe Bryant em uma só partida aquele ano.
Além de dar palestras sobre o autismo, McElwayn escreveu um livro que conta a experiência vivida naquele dia. Os direitos foram comprados por um estúdio de Hollywood e um filme deve ser produzido em breve.
Outro exemplo de superação é o do surfista americano Clay Marzo, de 24 anos. Apesar de surfar desde pequeno e de ganhar prêmios aos dez anos de idade e assinar seu primeiro contrato aos 11, ele só foi diagnosticado com Asperger aos 18 anos. Até então, algumas atitudes suas não eram bem vistas no circuito profissional, como a falta de traquejo social com patrocinadores, fãs e colegas de surfe, além de nem sempre seguir corretamente as regras das competições.
Em 2008, o documentário Clay Marzo: Just Add Water (Clay Marzo: Basta Adicionar Água) retratou a dualidade entre o surfe e a síndrome de Asperger na vida de Marzo. Atualmente, ele é voluntário em uma organização que apresenta o surfe para crianças com autismo.
Jones Rossi Uol.com
http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2013/09/26/polemica-sobre-autismo-de-messi-e-besteira-diz-medico-pessoal-do-craque.htm